Adeus, meu cachorro viajante

Pronto. Esse é o post que nunca quis escrever e clicar no botão publicar.

Antes de começar, têm algumas coisas que eu gostaria de dizer:

1. Desculpem-me pela ausência do blog nos últimos meses (o último post foi em agosto de 2018). Por diversos motivos pessoais, não estava com vontade de escrever ou estar presente nas redes sociais, e o principal desses motivos é hoje o tema desse post.

2. Apesar de querer, não posso dizê-los como e quando as coisas vão voltar ao normal aqui pelo blog. Acho que tudo no seu tempo, e eu preciso de um pouco. Por isso, quero agradecer a todos vocês que ainda seguem e acreditam no blog. Espero conseguir voltar a escrever sobre viagens em breve, e acho que esse post é o primeiro passo para que isso aconteça.

3. Se é a primeira vez que você visita o blog ou ainda não leu nenhum post relacionado ao meu cachorro viajante, o Enzzo, aqui vocês encontram alguns posts sobre ele. E para vocês que ainda não leram o post anterior à esse, A última viagem do Enzzo, podem fazer isso agora antes de continuar lendo esse.

4. Por fim, devo alertá-los: esse vai ser o post mais triste já postado aqui no blog até o momento, o mais dolorido e profundo que já escrevi, e definitivamente não será o texto mais feliz que vocês irão ler hoje. Para quem decidir não continuar lendo, acreditem, eu entendo. Para os que irão continuar, precisarão de alguns lencinhos de papel, assim como eu precisei quando estava escrevendo esse post.

A última viagem do Enzzo

Enzzo e eu nos Lagos Plitvice, Croácia, 2016

Meu Enzzo, meu peludo,

Faz um mês. Um mês inteirinho que nos vimos pela última vez, que nos despedimos. Tem gente que diz que esquecemos dor, mas nunca esquecerei da dor que senti quando o vi fechando seus olhos e ouvi seu coração parar de bater. Por um longo e doloroso momento, senti como se não houvesse nada dentro de mim, um vazio no meu corpo, e até mesmo a falta de voz para gritar. Porque doeu, doeu demais vê-lo nos deixar. Nunca me senti tão desesperada na vida. Um desespero de não poder fazer nada para fazê-lo ficar, porque eu sabia que era sua hora.

Ao mesmo tempo, doeu muito mais vê-lo sofrer e não poder fazer mais nada para ajudá-lo. Você foi um lutador. Você lutou tanto para ficar conosco, assim como seu coração lutou até o fim para continuar batendo. Como eu sou grata pela sua lealdade, sua amizade, sua bondade, sua paciência e seu dom de perdoar. Durante todos esses anos que passamos juntos você me ensinou muito mais do que eu poderia ter te ensinado. Você me tornou uma pessoa melhor e mais forte. Você me tirou da minha zona de conforto mais vezes que eu posso contar. Ninguém me fez sorrir mais quando tudo que eu queria era chorar do que você. Você era meu porto seguro, porque tudo poderia dar errado e o mundo tornar-se um inferno, mas eu sabia que no fim do dia, você estava ali para me consolar.

Infelizmente, agora que minha vida está de cabeça para baixo, você não pode estar aqui para me consolar e me passar a segurança que preciso. Mas no fundo no fundo do meu coração, eu sei que você sempre estará ao meu lado.

Outro dia eu finalmente tomei coragem para lavar a sua cama, a que você dormiu na sua última noite. Também encontrei coragem para escolher algumas de suas coisas para guardar em uma caixa azul. Uma caixa azul, a cor da amizade, a cor do oceano, seu lugar favorito. Uma caixa que abrirei sempre que quiser tocar algo que um dia você também tocou.

Me perdoe por eu estar tão triste e com tanta raiva do mundo, mas esse mundo é simplesmente cruel. Como não ter raiva do fato que o sol precisa brilhar de novo e você não está aqui para ver? Como não ter raiva do fato que eu preciso tirar as suas coisas do meio da casa porque você nunca mais vai voltar? Como não ter raiva do fato que eu ainda preciso andar as ruas que um dia andamos juntos sem você? Como não ter raiva do fato que preciso continuar vivendo em um mundo sem você? Como não ter raiva do fato que a nossa família sempre será incompleta sem você? Como não ter raiva do fato que eu não posso fazer nada a não ser aceitar? Sim, estou com raiva, mas ainda assim não consegui encontrar minha voz para gritar. Talvez um dia eu consiga.

Tem essa música, da minha banda favorita, que desde que a ouvi pela primeira vez, sabia que ela seria a minha música para você quando você se fosse. Eu sabia que esse dia chegaria, mas nunca poderia me imaginar vivendo esse dia, mas agora tudo que tenho para me confortar é essa música:

“Well, they say people come
The say people go
This particular diamond was extra special

And though you might be gone, and the world may not know
Still I see you, celestial

And I should but I can’t let you go
But when I’m cold, I’m cold
Yeah, when I’m cold
Cold
There’s a light that you give me when I’m in shadow
There’s a feeling within me, an everglow

Like brothers in blood, or sisters who ride
Yeah we swore on that night we’d be friends ‘til we die
But the changing of winds, and the way waters flow
Life is short as the falling of snow
And I’m gonna miss you, I know

But when I’m cold, cold
In water rolled, salt
And I know that you’re with me and the way you will show
And you’re with me wherever I go
And you give me this feeling, this everglow

What I wouldn’t give for just a moment to hold
Because, I live for this feeling, this everglow

So if you love someone, you should let them know
Oh, the light that you left me will everglow”

(Everglow, por Coldplay)

Meu peludo, você foi incrível. Como crescemos juntos. Eu tinha 19 anos quando o vi pela primeira vez, você tinha dois meses e meio. Você me viu terminar bacharelado e mestrado, namorar, noivar, casar e ter uma filha. Você se mudou de continente comigo. Você viveu em 5 casas em 3 países diferentes comigo. Juntos viajamos para mais de 10 países, de avião, trem, barco e carro. Para você não importava onde estávamos ou o que fazíamos, contanto que estive ao nosso lado.

Você foi meu bebê, meu primeiro filho, um que infelizmente vi envelhecer, um que desejei poder ficar ao meu lado até meu último dia nesse mundo. Mas que tipo de pessoa eu seria se não o deixasse ir? Você foi o ser menos egoísta que conheci, como eu poderia ser egoísta com você?

A morte é algo solitário, ninguém pode morrer a nossa morte por a gente, mesmo que estejamos rodeados de milhares de pessoas. É exatamente por isso que o prometi que ficaria ao seu lado até o fim, até seu último suspiro. Era o mínimo e o máximo que eu poderia fazer. E então eu fiquei, no chão, agarrada com você, te dizendo “eu estou aqui” e “pode ir meu peludo, você cumpriu sua missão” até eu ouvir a última batida do seu coração, e seu último suspiro. Foi o silêncio mais doloroso que presenciei.

Uma amiga uma vez me disse “deixar alguém que amamos ir, é a coisa mais difícil que podemos fazer. E quando você faz, é capaz de enfrentar qualquer outra coisa nesse mundo”. É exatamente assim que me sinto, sem medo de nada, por causa da dor que senti o deixando ir.

Luto é diferente para cada um de nós. Eu não sei aonde o meu vai me levar, mas essa é outra lição, a última, que você me ensinará. A única coisa que sei é que nunca mais serei a mesma pessoa.

Obrigada meu peludo, por cada momento que passamos juntos, por tudo que você me ensinou, por cada mergulho no oceano juntos, por cada viagem, por todas as noites que você dormiu ao meu lado, por nossos passeios e corridas, pela companhia nos dias solitários, pela compreensão nos dias difíceis, e por me fazer sorrir mesmo depois que você se foi. Guardarei tudo isso em minha memória, e sei que você sempre estará comigo, aonde quer que eu vá. Eu sei que nos reencontraremos, mas até lá morrerei de saudades. Te amo meu Enzzo.

Adeus, meu cachorro viajante.

Em memória do Enzzo, 19 de setembro de 2007 – 8 de abril de 2019

Para os que conseguiram ler até aqui, obrigada. Apesar de ainda não conseguir gritar, pelo menos consegui fazer minha voz ser ouvida através de minhas palavras.

About Allane

Brasileira morando na Alemanha. Casada com o W., mãe de uma menina linda e de um Golden Retriever. Viajante, escritora, fotógrafa, mergulhadora, apreciadora de vinhos, fã de Fórmula 1, viciada em ler livros de ficção histórica e juvenil. City girl, amante da natureza, alguém que acredita em um mundo melhor, uma pequena mudança por vez.